Ponto fora da curva

Sabe o que significa encarar déficit mensal da ordem de R$ 2,5 milhões, uma dívida acumulada de R$ 20 milhões e crescendo com sucessivos empréstimos para bancar despesas, além de atrasos rotineiros nos pagamentos de médicos e fornecedores? Era a realidade vivida pela Santa Casa de Misericórdia de Mogi das Cruzes. A asfixia financeira chegou bem perto de causar o fechamento da filantrópica, a exemplo do que houve com cerca de 500 outras Santas Casas no País, entre 2017 e 2021.

Às vésperas da virada de ano, a organização mogiana tornou-se um ponto fora da curva. Encerrará 2024 com suas contas em perfeito equilíbrio. Será o melhor balanço financeiro dos 151 anos de existência da Santa Casa de Mogi. Alcançamos a antes utópica sustentabilidade financeira. Isso, apesar da defasagem de décadas da Tabela do Sistema Único de Saúde (SUS), que remunera os serviços prestados aos pacientes da saúde pública.

Desde 1994, os procedimentos da Tabela SUS tiveram reajuste médio de 93%, contra a correção do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), de  637%. Os repasses mal cobrem 50% do custo dos procedimentos, em média. Na prática, a defasagem é bem mais gritante. Um parto normal custa em torno de R$ 2,5 mil, mas a União paga pouco mais de R$ 800,00.

A revolução gerencial livrou a Santa Casa de Mogi da desativação. Entrou em cena a gestão profissional e moderna, que ancorou a geração de receita com o atendimento a convênios e pacientes particulares. Foi possível ampliar e modernizar as instalações, adquirir equipamentos para prestar serviços antes terceirizados e reformular o corpo clínico, além do mais importante: otimizar todos os serviços e aumentar em cerca de 30% do número de atendimentos clínicos e cirúrgicos pelo SUS, que corresponde a 85% do total executado pelo hospital.

A jornada foi árdua. E longa. O projeto de melhoria contínua, que mudou o perfil da Santa Casa, de unidade deficitária para entidade empreendedora, foi alinhavado no final de 2018, na gestão do saudoso provedor Austelino Pinheiro de Mattos, nosso pai. Coube a seu sucessor José Carlos Petreca e à equipe profissional da mesa administrativa tirarem a ideia do papel.

No início deste ano, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e o secretário estadual de Saúde, Eleuses Paiva, criaram a Tabela SUS Paulista, que complementa a verba federal, cobrindo a defasagem pelos procedimentos do SUS. A iniciativa contribuiu demais com o processo de recuperação financeira da Santa Casa de Mogi. Em nível nacional, também é a aguardada a regulamentação da lei federal (14.820/24), que determina a revisão periódica da Tabela SUS. Sete em cada dez brasileiros dependem exclusivamente dos cuidados do SUS.

A nova mesa diretiva da Santa Casa de Mogi, capitaneada por Miriam Nogueira do Valle, assumiu neste mês (09/12). Juntos, temos à frente o desafio de não apenas manter a sustentabilidade financeira da Santa Casa como também promover a melhoria contínua dos serviços. Já definimos como prioridades a ampliação e atualização da estrutura física e operacional da filantrópica, a modernização estrutural e funcional do Pronto-Socorro (PS) e a implementação de novas especialidades, como cardiologia, urologia e oncologia, entre outras. Também planejamos incrementar a oferta de procedimentos de hospital-dia, como pequenas cirurgias.

Em conjunto com a Prefeitura, nosso foco é sensibilizar o Estado para ajustar a oferta regional de atendimentos a pacientes SUS que dependem de especialidades indisponíveis na Santa Casa. A falta de vagas para internação gera as filas de macas no PS. Aí, sai uma vaga longe, lá no ABC paulista. Sofrem o paciente e sua família. E a Santa Casa ainda banca o custo com ambulância. Seguimos com muito trabalho, abnegação e fé de que virão dias sempre melhores!

Flávio Ferreira Mattos, administrador de empresas, é vice-provedor e Fábio Ferreira Mattos, administrador de empresas, pós-graduado em Administração Hospitalar e em Auditoria Hospitalar, é tesoureiro, ambos da Santa Casa de Misericórdia de Mogi das Cruzes.